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“Deslizes monumentais e sonhos intranquilos. A estética dos crimes ambientais no Antropoceno”.

Sobre o evento que aconteceu na UFES no dia 7 de Junho.

Realização: DISSOA, ORGANON, GAP, PROEXT, UFES E ZION.

Multiplicam-se publicações e debates recentes que envolvem a estética do Antropoceno – um termo para uma nova época geológica em Eugene Stoermer e Paul Crutzen. O historiador Dipesh Chakrabart refere-se ao Antropoceno como um momento em que o ser humano, para além de um agente biológico, se torna uma força transgressora geofísica, capaz de modificar e impactar os ecossistemas de forma sem precedentes e comprometer sua própria sobrevivência e a dos outros seres vivos. Para o filósofo francês Bruno Latour, representa “o fim do humano”. Para além da definição de especialistas, há um sentimento facilmente identificável em nossa cultura de que vivemos uma crise ecológica sem precedentes que ameaça a vida no planeta, ampliada pelos sentimentos de impotência e imobilidade nas ações interventivas e pela (ir)responsabilização pelos impactos gerados pelas mudanças tecnológicas e econômicas vinculadas a expansão global do capitalismo industrial. No Brasil, nas instituições acadêmicas e agências de fomento, o tema dos crimes ambientais e da crise ecológica ainda não recebe a divulgação que merece e o debate é desqualificado tanto pela elite econômica, quanto pela mídia, pelo Estado e, obviamente, pelos atores vinculados à indústria, quase sempre envolvidos na etiologia das catástrofes e que privilegiam a lógica predatória do mercado globalizado. Os movimentos sociais e as organizações ambientalistas que advogam em prol das minorias socialmente vulneráveis se encontram fragilizados diante da parceria e da conivência entre os governos neoliberais e a indústria. Cabe à comunidade científica promover a centralidade e a urgência do debate, legitimando a discussão a partir do debate entre os vários discursos. A perspectiva desenvolvimentista tardia do Brasil vive uma modernidade deslizante. Tal aspecto recebe um sentido literal e trágico materializado no crime ambiental do rompimento da barragem de que marcou profundamente Minas Gerais e o estado que abriga o presente evento, o Espírito Santo. Passados mais de doze meses, as empresas ainda não se responsabilizaram pelas repercussões da catástrofe/crime, nem pela indenização das vítimas; todo um ecossistema fluvial e várias vidas humanas foram perdidas e, mesmo assim, o Estado posiciona-se de forma ambígua e hesitante quanto à a responsabilização das empresas de mineração envolvidas na ação criminosa. Além disso, parte da sociedade brasileira, sob os postulados rançosos da “ordem e progresso” e da “confiança no trabalho”, julga conveniente a continuidade das atividades das empresas para evitar desemprego e (mais) desestabilização. Os novos riscos e o custo das vidas humanas recebem pouca consideração dos governos que desqualifica as premissas do ecodesenvolvimento e se aproveita da ignorância socioambiental que, paradoxalmente, torna o brasileiro conivente com as mazelas que o afetam. O país que possui uma das maiores áreas de cobertura florestal e mananciais de água que interessam a todo o planeta, possui também uma legislação de riscos ambientais flexível e vulnerável aos interesses do capitalismo industrial. Essa paradoxal realidade é que chama os organizadores desse evento para abordar questões que não têm fronteira ou classe social definida, apesar de afetar com mais intensidade as comunidades mais pobres. Desejamos acreditar em outras formas de envolvimento humano e cidadão que focam em atores individuais e coletivos e que exercem influência a partir de microestruturas decisórias e descentralizadas para dar conta da discussão. São atores externos às arenas formalmente designadas como políticas e executadas por agentes tradicionalmente legitimados como os partidos políticos, os sindicatos, o parlamento que deslocam o poder para as mãos dos indivíduos, grupos e organizações. Interessa particularmente aqui as contribuições da arte social/política. Esse tipo de ativismo cultural, formatos híbridos de ativismo político desdobrados em práticas interdisciplinares e estratégias artísticas, inscreve a arte em contextos sociais e políticos específicos. Esses projetos fazem parte dos sonhos intranquilos e kafkianos de Gergor Samsa durante seu processo de metamorfose e estranhamento de si mesmo. O evento se propõe a refletir como essa condição é transmitida via poéticas e ações do artista a partir de sua dimensão social/política. Ao trabalhar nessa direção, esses artistas rompem com a ideia de produzir um objeto de arte autônomo e inserem no mesmo dimensões políticas que convergem ao tema central do evento. Sumarizando: o objetivo é expor projetos artísticos e poéticas socioambientais para fomentar um debate epistemológico interdisciplinar entre/e com leigos, especialistas e artistas. A partir das perspectivas dos crimes e desastres ambientais – especialmente aqueles ligados à mineração – o evento potencializará os cruzamentos entre arte, estética e ativismo como ferramentas para redes e intervenções radiculares. Parte-se do princípio que a articulação coletiva de múltiplos saberes e de representatividades variadas resulta na construção de poderes que ativam as estratégias de superação dos paradigmas de uma ciência que, de forma acrítica, historicamente ratifica o antropoceno.


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